Licença Ambiental CETESB

26.01.21 06:37 PM

O Decreto Estadual 64.512/2019 Continua a Ilegalidade

Em 2017, o Governo do Estado de São Paulo editou um decreto que majorou enormemente todas as taxas relacionadas a licenciamento ambiental. A partir de então começou uma batalha judicial na qual o contribuinte saiu vencedor, com o TJSP entendendo que este decreto é ilegal. Em 2019, o Governo de São Paulo tomou nova iniciativa nesta batalha, editando o Decreto Estatual 64.512/2019 que entrou em vigor em 5.11.2019, mantendo a majoração desta taxa, mas tentando corrigir a ilegalidade. No nosso sentir, este novo decreto também é ilegal e o contribuinte mantém o direito de ingressar com mandado de segurança.

 

Vamos explicar com mais detalhes:

 

Em São Paulo, o Decreto Estadual nº 69.723/17 havia majorado de maneira ilegal as taxas para se obter licenças ambientais junto à CETESB. Quase todos os contribuintes que ingressaram com mandado de segurança conseguiram reduzir o valor da taxa. Aqueles que deixaram de ingressar com o mandado de segurança e cuja legislação aplicada foi esta, ainda podem pedir a restituição do valor pago. Assim, em todos os licenciamentos desde este decreto até o dia 4.11.2019, o contribuinte poderia ter corrigido esta arbitrariedade do Governo de São Paulo. Ainda hoje pode.


Trataremos agora de detalhar porque o Decreto Estadual nº 69.723/17 é ILEGAL. Um princípio básico que deve ser entendido é que qualquer Decreto é um ato do Poder Executivo para regulamentar uma LEI, que foi elaborada pelo Poder Legislativo. Se a pretexto de regulamentar, o Decreto muda a lei, o decreto é ilegal e o indivíduo que se sentir lesado poderá acionar o Poder JudiciárioNo tópico objeto deste post, temos que o marco legal da taxa de licenciamento foi criado com a Lei Estadual nº 997/76, que ainda está em vigor e que rege a matéria. Esta lei é do Estado de São Paulo. No artigo 5º, §1º, desta Lei Estadual nº 997/76 com a redação dada pela Lei Estadual Lei nº 9.477/96, a base de cálculo da taxa ficou assim estabelecida:

 

Art. 5º§1º Para os fins do disposto neste artigo, considera-se "fonte de poluição" qualquer atividade, sistema, processo, operação, maquinária, equipamento ou dispositivo, móvel ou não, previsto no Regulamento desta lei, que cause ou possa causar poluição ambiental através da emissão de poluentes.

(sem grifo no texto da lei)

 

O REGULAMENTO acima citado foi criado pelo Decreto nº 8.468, de 8 de setembro de 1976, que ainda está em vigor. Em 2017 veio o Decreto Estadual nº 69.723/17 que modificou parte deste REGULAMENTO, criando o artigo 73-C, §2º que tem a seguinte redação:

 

§ 2° - A área integral da fonte de poluição a que se refere o “caput” deste artigo será a área do terreno ocupado pelo empreendimento ou atividade, acrescida das áreas construídas dos pavimentos superiores e/ou inferiores, excluindo-se as seguintes:

 

Como é possível facilmente depreender da leitura deste Art. 73-C§2º, Decreto Estadual n° 62.973/2017, ao regulamentar o dispositivo supra, passou a considerar como “fonte de poluição” também a área do imóvel não ocupada pela atividade poluidora, conferindo maior amplitude e extrapolando o conceito trazido pela Lei n° 997/76, aumentando, consequentemente, o preço das licenças ambientais. Assim, o órgão ambiental começou a incluir, na definição de “área integral de fonte de poluição” a área total do imóvel onde se dará a atividade objeto do licenciamento e não apenas a área de construção ou de terreno ocupado pelo empreendimento ou atividade poluidora – critério anterior adotado CETESB. É fácil perceber a ilegalidade deste decreto. Não por outra razão, o Poder Judiciário dava provimento à maioria dos mandados de segurança que atacavam a ilegalidade do decreto. 


Em razão destas sucessivas derrotas, o Governo do Estado de São Paulo elaborou o Decreto Estadual 64.512/2019, que passou a conviver com os decretos anteriores. Este decreto revogou expressamente o problemático artigo anterior:

 

Artigo 4º - Este decreto entra em vigor em 30 (trinta) dias após a sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário, em especial o § 2º do artigo 73-C do Decreto nº 8.468, de 8 de setembro de 1976, alterado pelo Decreto nº 47.397, de 4 de dezembro de 2002.”

(os grifos constam no texto da lei)

 

Ao redigir de maneira contundente esta revogação, cria-se a impressão de que a novo decreto tinha respeitado a lei. Contudo, não foi isto que ocorreu. Isto porque o novo decreto adotou a seguinte nova redação do artigo 73-C:

 

“Artigo 73-C - O preço para expedição das Licenças de Instalação para as fontes listadas nos incisos II, III, V, VI, VII, IX, XII e XIII do artigo 57 será fixado pela seguinte fórmula:
P = 100 + (3 x W x √Ac), onde
P = Preço a ser cobrado, expresso em UFESP
W = Fator de complexidade, de acordo com o Anexo 5 deste Regulamento √Ac = Raiz quadrada da área integral da fonte de poluição objeto do licenciamento, assim entendida a área construída do empreendimento e atividade ao ar livre, em m2 (metros quadrados).”; (NR)
b) o § 1°:
“§ 1° - Quando se tratar de empreendimentos considerados por lei federal ou estadual como microempresa ou empresa de pequeno porte, a fórmula a ser adotada será:
P = 0,15 [100 + (3 x W x √Ac)], onde
P = Preço a ser cobrado, expresso em UFESP
W = Fator de complexidade, de acordo com o Anexo 5 deste Regulamento √Ac = Raiz quadrada da área integral da fonte de poluição objeto do licenciamento, assim entendida a área construída do empreendimento e atividade ao ar livre, em m2 (metros quadrados).”

(sem grifo no texto original da lei)

 

O novo decreto continua ilegal. Em 2017 era “área do terreno ocupado pelo empreendimento ou atividade, acrescida das áreas construídas dos pavimentos superiores e/ou inferiores” e, agora: “área construída do empreendimento e atividade ao ar livre”, o que é basicamente a mesma coisa. Mudaram-se as palavras, mas o conteúdo é o mesmo. Independentemente de ser ou não ser a mesma coisa, o novo decreto continua a incluir na taxa aquilo que não é poluidor. Esta manobra continua a ferir a Lei.

 

  Veja-se decisão tomada pela 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, datada de 30.10.2020:

 

RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. ADMINISTRATIVO. TAXA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. A base de cálculo da taxa de licenciamento ambiental levava em conta a área da fonte de poluição. Com a edição do Decreto Estadual nº 69.723/17 passou-se a tomar como base de cálculo a área integral do empreendimento. Por sua vez, o Decreto Estadual 64.512/2019 passou a considerar como área integral da fonte de poluição a área construída do empreendimento e de atividade ao ar livre. As modificações resultaram em aumento de preço das licenças ambientais. Alteração na base de cálculo que elevou desproporcionalmente o valor da taxa de licenciamento. Elementos demonstrando a verossimilhança das alegações. Preenchimento dos requisitos legais para a concessão da tutela pleiteada. Decisão de indeferimento reformada. Recurso provido

(TJSP — 1ª Câm. Res. Meio Ambiente — Des. Marcelo Berthe — j. 30.10.2020 — AI   2066316-63.2020.8.26.0000. votação unânime)

 

Outra decisão semelhante:

 

(interior de acórdão) No presente caso, verifiquei que o Decreto Estadual nº 64.512/19 em nada alterou a definição de área integral de fonte de poluição contida no Decreto Estadual nº 62.973/17 que regulamentou a Lei estadual nº 997/76 e definiu, em seu art. 4º1 , área integral de fonte de poluição, passando a considerar a área de edificação não ocupada pela atividade licenciada, ou seja, aquela que não é fonte de poluição, como base de cálculo, extrapolando, prima facie, o art. 5º, §1º da Lei Estadual nº 997/76, assim disposto:

(TJSP — 1ª Câm. Res. Meio Ambiente — Rel. Des. Nogueira Diesfenthaler — j. 14.12.2020 — AI 2218665-51.2020.8.26.0000, votação por maioria)

 

Os dois acórdãos acima tratam de discussão sobre liminar, ou seja, é possível que com o desenvolvimento do processo as posições se alterem. Outra coisa a observar: no primeiro acórdão, existiu uma decisão unânime que modificou uma decisão de primeiro grau e no segundo acórdão, uma decisão por maioria que manteve uma liminar deferida. Ou seja, isto reflete que nos dois julgados, pelo menos um dos magistrados envolvidos entendeu que não se pode afirmar de plano que o decreto é ilegal, apesar de restarem, ao final, vencidos. Existem outros julgados que indeferem a liminar, sob o argumento de que “definindo a área de fonte de poluição como sendo a área construída do empreendimento e atividade ao ar livre, não mais sendo considerada como parâmetro aritmético a área integral da fonte de poluição, o que enseja que o cálculo do preço do serviço se dê de forma proporcional tal qual previu o legislador de 1976”. Estamos falando de liminares, que são antecipações provisórias do mérito, que não vinculam o juiz a aplica-la no final do processo. O próprio juiz pode mudar a sua posição. Em geral, quando existe uma norma nova, é comum que no início exista uma conduta mais conservadora de indeferir as liminares.

 

Em termos práticos, o cenário hoje ainda é de incerteza quanto à concessão ou não da liminar, o que não ocorria antes da vigência deste decreto.


O cenário quanto à decisão final de mérito é, evidentemente, ainda mais incerto. É necessário aguardar que sobrevenham decisões de distintos Relatores e Câmaras do Tribunal de Justiça de São Paulo, para se ter elementos objetivos para firmar uma posição sobre este assunto. Decisões repetidas de poucos Relatores, a favor ou contra, é insuficiente para traçar uma linha concreta. No entendimento do nosso escritório, o novo decreto também é ilegal. Vão surgir várias decisões finais de mérito reconhecendo a ilegalidade e isto irá refletir no aumento progressivo na concessão das liminares e, assim, mesmos nestes processos em que não foi deferida a Liminar, a CETESB novamente irá sucumbir.

 

É importante frisar que defendemos uma questão técnica: o decreto não pode ampliar a lei, indiferente do mérito desta alteração. Se a escolha do Poder Executivo é a mais aconselhável, compete ao Governador do Estado e à sociedade esforçar-se para modificar a lei. Afastando-se desta análise precisa do conflito entre o poder regulatório do executivo e o poder de legislar do legislativo, é possível identificar que o pano de fundo de toda esta questão é saber como o Estado pode estabelecer as suas taxas. 


A taxa é um tributo, que é o preço do serviço prestado pelo Estado. Se o Estado quer arrecadar além do que custa o serviço, ele tem que criar um IMPOSTO e não uma taxa. Para ilustrar: um contribuinte é proprietário de uma área extensa, mas a parte poluidora é pequena. O Estado não tem razão nenhuma para incluir no preço da taxa a área que não será objeto de qualquer prestação de serviço do Estado. O fato da vida de ter um terreno implica em um tributo sobre a propriedade, que é o IPTU, de competência municipal. Assim, mesmo se um dia surgir uma Lei que atenda aos anseios do poder executivo de cobrar sobre o imóvel inteiro, não se trataria mais de um conflito de decreto com a lei, mas da lei com a Constituição Federal e Estadual e, neste passo, acreditamos que será reconhecida a sua inconstitucionalidade. 


Ao nosso sentir, até aqui as decisões que vem indeferindo a concessão da liminar valem-se de argumentos superficiais, apenas dizendo que o decreto não contrariou a lei, sem explicar muito bem a razão. Compete ao advogado que irá fazer a defesa do seu cliente demonstrar concretamente que o novo decreto apenas dá uma nova roupagem para a intenção anterior de tributar a propriedade, obtendo para o Estado de São Paulo e para a CETESB mais do que a contraprestação pelo serviço. Considerando que a questão ainda é nova, é importante apontar a inconsistência na expressão da fórmula matemática apresentada pela CETESB. 


Ao contribuinte que sentiu o aumento da taxa, a melhor solução é ingressar com o mandado de segurança. Mesmo que não ganhe a liminar, há grandes chances de ganhar no mérito ao final. O custo de um mandado de segurança não é alto.