Decisões importantes ao se elaborar um contrato social

16.10.20 12:30 AM

É desaconselhável valer-se de contratos-modelos genéricos.

Tem um investidor querendo investir na sociedade e meu sócio não quer, e agora? Quero vender minha parte e meu sócio não aceita, e agora? Minha sócia se separou e o marido dela quer entrar na sociedade, e agora? Se eu falecer, meus filhos vão herdar minha participação na sociedade? Todas estas perguntas deveriam ter sido formuladas antes, não quando o problema surge. A melhor coisa a fazer é sempre consultar um advogado para que estas questões todas estejam ajustadas de acordo com a sua vontade. 

 

Aqui estão as cláusulas que necessitam de mais atenção:

 

Entrada de novos sócios. Muitos dos contratos padrões estabelecem que a sociedade somente possibilitará a entrada de novos sócios se houver anuência dos demais, o que é um sentimento muito natural quando se está começando algo. Contudo, quando um sócio quer sair desta sociedade, ele tem uma grande dependência dos demais sócios, que inclusive podem precificar esta sua saída abaixo daquilo que é o justo. É muito mais razoável dar aos outros sócios o direito de preferência nesta aquisição, mas estar livre se vender as suas cotas se tais sócios não quiserem ou não puderem adquirir a sua participação.

 

Aumento de Capital. A lei estabelece que para o aumento de capital será necessário ¾ das quotas sociais e as partes podem modificar este percentual. Quanto mais fácil for alterar o capital, presume que o sócio com mais recursos não será impedido de crescer em decorrência do outro sócio que menos apetite por risco ou não tem liquidez para investir. Visto sob outro ângulo, o sócio com menos recurso pode ser empurrado a ter uma participação menor. A entrada de um investidor precisa de um contato social cujo ingresso não depende de prévia anuência nem de travas para o aumento de capital. Um sócio com medo de risco pode atravancar negócios e um com apetite para o risco poder afundá-lo. Após refletir sobre estes pontos, alguns sócios preferem adotar unanimidade para esta alteração, outros diminuem para 50% do Capital.

 

Meação do cônjuge. Quem cria uma sociedade com alguém casado pelo regime de comunhão parcial ou quem aumenta o capital com alguém que agora está casado neste regime, deve estar ciente que é possível que esta contribuição tenha sido feito com recursos comuns e que, portanto, na hipótese de separação do casal,  as cotas também sejam divididas. Se isto for um problema, é possível atenuar ou mesmo evitar este problema, com cláusulas específicas dentro do contrato.

 

Sucessão. Se o sócio falecer e se não houver disposição específica, a regra é a dissolução social, com pagamento dos herdeiros da parte devida, segundo o critério de avaliação da sociedade que for prevista no contrato. Os sócios que querem que seus filhos herdem o seu negócio e não sejam indenizados precisam de atenção quanto a isto. Inclusive a sua família não pode ser surpreendida pois contava com este ingresso e é surpreendida com os sócios não aceitando esta admissão. Por outro lado, o ingresso de filhos, netos, sobrinhos, pais e esposa podem prejudicar a sociedade. Portanto, é importante desde o primeiro momento exista uma disciplina clara sobre este assunto.

 

Ainda sucessão. A sucessão é um fato futuro e incerto. Pode acontecer de tudo, inclusive a sucessão alcançar pessoas que até então não se esperava, como um irmão ou sobrinho, que pode ser entendido como um ônus injustificado para os sócios remanescentes, daí que se pode estipular a limitação a esta prerrogativa de ingressar na sociedade, por exemplo, excluindo quando a  sucessão se der por linha colateral. Pode acontecer de não existir sucessor e, por força do artigo 1.844 do Código Civil, o Estado será o sucessor. Aqui a solução mais segura é o TESTAMENTO, oportunidade em que se pode também tomar outras decisões, como deixar para os sócios remanescentes as cotas, no caso da falta de sucessores na linha reta.

 

Valor da empresa. Como já tratamos em outros posts, uma sociedade pode precisar ser avaliada e isto ocorre geralmente no caso de retirada de algum sócio, pagamento de herdeiros, credores que tenham obtido êxito na penhora de cotas. O método adotado judicialmente chama-se “balanço especial de encerramento” que é diferente do método considerado pelo mercado como o mais eficiente, o método de fluxo de caixa descontado. O “balanço especial de encerramento”, apesar de nomeado em lei, não conta com boa disciplina jurídica e com pouca referência doutrinária, sendo muito casuístico. Em geral, difere em muito do método de múltiplos, especialmente de faturamento, adotados em pequenas empresas como bares, padarias, hoteis, motéis. É necessário pensar na melhor forma de avaliar uma empresa e fixa-lo no contrato judicial, atentando-se para que seja realista, razoável e justo, para não ser derrubado em juízo.

 

Alteração do contrato social. A regra básica é que o contrato social é alterado com ¾, ou 75% das quotas sociais. Assim, se não houver disposição em contrário, quem tiver 51% da sociedade não poderá alterar o contrato social e terá, na prática, o mesmo poder de quem é minoritário. Sob uma ótica, aquele que investiu mais terá menos poder do que seria intuitivo, e, sob outra ótica, existe a garantia de que a pessoa com mais poder não abuse. É sempre importante este dilema estar resolvido desde o início da relação.

 

Exclusão de Sócio.  É quanto o sócio deixa de fazer parte da sociedade porque atentou contra ela. A alternativa de exclusão por justa causa por simples alteração contratual exige cláusula específica no contrato social, conforme expressamente previsto no artigo 1.085 do Código Civil. Inexistindo esta cláusula ou mesmo existindo esta cláusula, mas os detentores do capital não terem o percentual exigido, será necessária ingressar com processo judicial. A possibilidade de previsão contratual é bastante agressiva, mas em alguns casos pode ser a melhor solução.

 

Direito de retirar-se da sociedade (direito de recesso). Em regra, ninguém é obrigado a manter-se associado e, portanto, é lícito ao sócio que de forma imotivada retire-se da sociedade, recebendo a proporção que lhe cabe, de acordo com o critério de avaliação da empresa previsto no contrato social. Este é um direito irrenunciável. É possível estabelecer cláusulas adequando este direito à realidade econômica daquele arranjo social, principalmente estabelecendo um prazo mínimo para exercê-lo.

 

Destituição de Sócio-Gerente. Retirar um sócio da administração é muito diferente de retirar um sócio da sociedade. A partir da Lei 13.792/2019, é possível excluir, sem justa causa, o sócio administrador com mais de 50% das cotas sociais, o que foi uma alteração importante, pois antes disto o número era ¾ como qualquer outra alteração, caso não houvesse disposição disciplinando de outra maneira. Antes, o sócio-gerente que detinha até 36% do capital social era irremovível a não ser que infringisse as normas, hoje, ele teria que ter no mínimo 50% para manter o mesmo privilégio. Em princípio, esta norma é salutar e indica-se que seja repetida no Contato Social, mas há situações particulares que indicam a volta do quórum maior para a decisão.

 

São estas as cláusulas que normalmente demandam mais atenção.

 

É estranhamente comum que as pessoas que estão formando uma sociedade não se preocupem com os detalhes do seu contrato social, deixando que os profissionais que estão lhe auxiliando na criação da sociedade escolham um modelo pré-escrito entre alguns ali à mão, ou, ainda sempre utilizando um mesmo modelo indistintamente. A cultura de contratos- modelos não é uma boa solução quando se está tratando de uma situação multifacetária como é o caso de uma sociedade empresarial.

 

Em parte, isto é culpa da nosso cultura que vê o contrato não apenas uma formalidade pouco importante, mas também como um ruído em uma relação de confiança. Romantiza-se esta união, supondo que todos os problemas serão resolvidos baseados no sentimento de agora. Existe também a sensação de que não há muito que inventar em um contrato social de uma empresa que está surgindo, que existe um curso natural das coisas e que não é necessária qualquer sofisticação nesta modelagem inicial.

 

É verdade que aceitar um contrato padrão é barato. O que não se leva em conta que elaborar um contrato de forma mais detida não é sequer tão caro. Bons escritório de advocacia podem cobrar preços justos para prestar este serviço, certamente não tão em conta como baixar um formulário na internet, mas por um preço que justifica a segurança de ter um contrato que espelhe o acordo de vontade entre os sócios. O próprio momento de reflexão sobre o contrato social e a modelagem dos conflitos é um tempo precioso, que irá acrescer muito no próprio arranjo dos sócios. Como sempre dizemos em nossos posts, o melhor momento para formalizar qualquer contrato é quando as partes estão em harmonia. Com este espírito de comunhão, é muito mais fácil tocar em temas sensíveis, traçar cenários de conflito e formular soluções razoáveis.

 

O difícil é fazer acordo em conflitos, no qual a confiança já se esvaziou. A mediação desta negociação é muito mais desgastante e, objetivamente, mais cara. Isto quando as partes não precisam cada um de advogados distintos, pois não conseguem sequer encontrar uma pessoa que ambos confiam. 

 

É verdade é que o contrato pode ser mudado a qualquer tempo e também é verdade que o ambiente para produzir esta alteração contratual continua sendo mais tranquila em um momento que os sócios ainda nutrem por si confiança mútua. Isto poderia levar ao engano de entender que esta questão pode ser postergada, mas não é bem assim. A percepção sobre o estado atual de uma relação é sempre muito íntima e não é possível que um sócio consiga prever o comportamento futuro do outro sócio. Se uma pessoa tem a concepção de que uma sociedade deve ser intimista e pessoal e a outra tem uma percepção de que a sociedade não passa de um ativo que pode ser negociado, esta contraposição de entendimentos pode estar adormecida agora, mas, mais para frente, gerar conflitos em um momento que seja necessário fazer investimento ou que uma das pessoas precise sair da sociedade. Muito diferente do que possa parecer, a prévia negociação de todos estes pontos, do aspecto pessoal e do aspecto empresarial, é muito mais salutar do que ignorar a sua existência.

 

É importante que a sociedade nasça com estas reflexões maduras. O conflito é esperado em uma sociedade e não raro são nestes os momentos que surgirão soluções que beneficiarão a todos. O conflito é sadio. Portanto, deve estar no DNA da sociedade estar preparada para lidar com a oposição de ideias.

 

Como se pode perceber, de acordo com a forma com que o negócio foi modelado, haverá um grande impacto nas cláusulas acima e muitas vezes será necessário contrapartidas, aceita-se uma diminuição das suas prerrogativas em prol de vantagens que o próprio sócio não tem sozinho. O importante é conhecer, pois decisões racionais pressupõe conhecimento